A Milão de Paula Morelenbaum por Itália em Português

A sua voz refinada encantou a plateia que lotou o Blue Note de Milão, na noite de 18 de maio. A cantora Paula Morelenbaum – acompanhada dos músicos alemães Ralph Schmid (piano) e Joo Kraus (trombeta), com os quais forma o Bossarenova Trio, e ainda do brasiliense Amoy Ribas (percussão) – levou a fina flor da música brasileira à filial italiana da famosa casa de espetáculos de Nova Iorque. Canções de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Baden Powell, Marcos Valle, Jorge Ben, entre outros compositores, revisitadas com novas sonoridades, eram aplaudidas com entusiasmo pelo público.

No dia seguinte, ela encontrou, com exclusividade, a nossa equipe para una entrevista, durante a qual visitamos alguns dos seus lugares preferidos na cidade. É o caso do espaço 10 Corso Como, no bairro Garibaldi, onde tivemos uma grata surpresa ao entrar na galeria de arte Carla Sozzani: a canção Coração Vagabundo, de Caetano Veloso, por ela interpretada – em uma memorável gravação com o violoncelista Jaques Morelenbaum, seu marido, e o pianista Ryuichi Sakamoto -, ecoava pelo ambiente.

Mas as coincidências não pararam aí: mais tarde, em uma parada para um café na chocolataria Farage, no charmoso bairro de Brera, fomos acolhidos por uma seleção de canções da bossa nova, exatamente o estilo musical que o seu repertório privilegia. Uma predileção musical bem natural na sua carreira: depois de 10 anos como integrante da Banda Nova de Tom Jobim, seguiram-se outras formações musicais (Quarteto Jobim Morelenbaum e, ainda, Morelenbaum²/Sakamoto), um disco sobre Vinicius de Moraes (Berimbau), um álbum com João Donato (Água) e um terceiro CD com composições do período pré-bossa nova. Sem esquecer das participações especiais nos shows do Cello Samba Trio, capitaneado por Jaques; uma dessas deu origem ao disco ao vivo “Omaggio a Jobim”, registrado durante um espetáculo na Itália. Como se diz, nada é por acaso!

Itália em Português – Nos últimos anos, Milão tem sido praticamente uma etapa obrigatória na sua vida profissional, assim como outras cidades da Itália. Shows, gravações. Como nasceu a sua ligação com essa cidade e esse país?

Paula Morelenbaum  – Eu venho há muito anos à Itália a trabalho, desde os tempos do Quarteto Jobim Morelenbaum (que era composto, além de mim, por Paulo Jobim, Daniel Jobim, Jaques Morelenbaum) e sempre me senti muito bem recebida. Aqui, eu e o Jaques conhecemos também o produtor Gianni Gualberto Morelenbaum, que não é nosso parente (risos), mas sempre nos convida a participar de importantes eventos. Com tantas vindas, foi-se criando uma ligação crescente com esse país, até que, em 2014, nos gravamos um disco ao vivo no Festival de Pádua, a partir de uma ideia do produtor italiano Natale Caccavo. Por conta do lançamento desse álbum – cujo nome é “Paula e Jaques Morelenbaum – Live in Italia – Omaggio a Jobim – featuring CelloSam3aTrio”-, fizemos vários shows na Itália no ano passado, faremos outros em julho (já temos datas em Casalgrande, Catanzaro e Turim) e, em maio de 2018, iniciaremos uma outra turnê por toda a Europa.

Itália em Português – Você vê diferenças entre o público do Brasil e o da Itália? Ou até diferenças entre as plateias de diversas partes da Itália?

Paula Morelenbaum – Percebo diferenças, sim: às vezes, até entre cidades; mas, principalmente, entre os países.  Na Itália, o publico é muito quente, retorna rapidamente a emoção; o que é maravilhoso. O que me deixa mais insegura no palco é a plateia que segura a emoção para, no final, demonstrar tudo. No Japão, é bem assim: eles ficam muito quietos, aplaudem pouco para não atrapalhar, em sinal de respeito, como em um espetáculo de musica clássica.

Na Itália, o que acontece é bem parecido com o que ocorre no Brasil. Mas o que eu acho interessante é que, aqui, eu canto para uma plateia basicamente italiana, e muitas daquelas pessoas nunca ouviram algumas daquelas canções que para nós, brasileiros, são famosíssimas. No entanto, nós estamos conquistando aquelas pessoas, pela beleza da música, pelos arranjos com que a estamos apresentando hoje em dia. Eu, por exemplo, tenho trabalhado bastante com dois grupos. Um é o CelloSam3aTrio, junto com o Jaques, o Lula Galvão e o Rafael Barata. Já o segundo projeto existe desde 2010 e é o Bossarenova Trio, com os alemães Joo Kraus e Ralph Schmid, que são loucos por música brasileira, conhecem tudo e têm um “sotaque”, um jeito europeu de ver a nossa música, o que eu acho muito interessante porque soma, dá uma modernidade, um tempero diferente a um canções compostas tanto tempo faz.

Itália em Português – O que você mais aprecia na Itália?

Paula Morelenbaum – Eu aprecio tudo na Itália. Eu penso em cultura italiana de diversas maneiras. Tem a cultura da família, ou seja, a quanta importância para a família aqui, e que é algo que se está perdendo em todo o mundo. Aprecio a cultura do vinho, que é coisa linda! Eu recentemente conheci uma vinícola fantástica chamada Allegrini, cuja proprietária, Marilisa Allegrini, é incrível e me transmitiu exatamente esse amor que os italianos têm pelo vinho. A cultura gastronômica: aqui se fala de comida o tempo todo, se pensa em comida o tempo todo e como se come bem nesse país! A cultura das artes – da antiga à arte moderna. A cultura da moda, do design: falando especificamente de Milão, essa cidade é uma vitrine para o mundo, o mundo está sempre de olho no que vai sair daqui. Eu acho todo esse conjunto de expressões culturais muito forte, muito intenso, e espero que isso dure para sempre.

Itália em Português – A propósito de vinhos, quais são aqueles dos quais você mais gosta?

Paula Morelenbaum – Como tipos de vinho, eu adoro o Brunello di Montalcino, o Amarone, o Rosso di Montalcino, o Barolo. Eu gosto mais de vinhos tintos, daqueles mais encorpados; já os brancos não são muito a minha especialidade. Mas, em geral, na Itália, os vinhos são muito bons.

Itália em Português – E qual é o seu prato italiano preferido?

Paula Morelenbaum – Massa com trufas brancas. Também adoro receitas com cogumelos porcini.

Itália em Português – Já que você gosta tanto daqui, o que acha que uma pessoa que vem a Milão não pode absolutamente deixar de visitar?

Paula Morelenbaum – Antes de tudo, é importante passear, caminhar, explorar; só assim se conhece realmente uma cidade. Se puder, peça a alguém que reside em Milão para levá-lo aos lugares mais bacanas, especialmente se você não vai ficar muitos dias na cidade, pois assim evita perda de tempo.

Em Milão, não se pode deixar ir ao Duomo, que é a catedral da cidade. A visita ao seu teto é imperdível. Também não deixe de ir a um dos bares ou restaurantes localizados no topo da Rinascente, uma loja de departamentos de onde se tem uma outra vista fantástica do Duomo.

Ver a Ultima Ceia do Leonardo da Vinci, na igreja Santa Maria delle Grazie, é uma outra emoção, ainda que a visita seja bem rápida. Mas é melhor reservar com antecedência para garantir a entrada! E os belos Parque Sempione e Castelo Sforzesco também não podem faltar no roteiro.

Há vários museus interessantes na cidade, como o Palazzo Reale, onde acontecem sempre grandes mostras, ou a Gallerie d’Italia, com um acervo de obras dos séculos 19 e 20.

Itália em Português – E dicas de bares, restaurantes, lojas?

Paula Morelenbaum – Uma outra dica: o 10 Corso Como, que é um espaço lindo ao qual eu costumo vir, no qual se encontram peças de designers de moda do mundo inteiro, e que tem ainda galeria de arte, livraria, café-restaurante. Também gosto muito de caminhar a partir dali em direção  a uma rua chamada Corso Garibaldi, também cheia de bares, restaurantes, lojinhas.

Milão é uma cidade muito charmosa, onde as pessoas saem depois do trabalho para tomar um aperitivo. Aproveite essa atmosfera! Recentemente, estive no Ceresio 7, um bar e restaurante localizado no alto de um edifício, com uma grande piscina no terraço. Indico também o restaurante Rovello 18, onde degustar bons vinhos e um dos pratos típicos: a “cotoletta alla milanese”, ou seja, carne de vitelo empanada.

Itália em Português – No seu elenco pessoal de shows inesquecíveis, tem algum que aconteceu na Itália?

Paula Morelenbaum – Eu e Jaques fizemos um show muito bonito com o Ryuichi Sakamoto em Milão, em um parque muito grande, com o palco posicionado dentro de um lago (Nota da Redação: o parque mencionado é o Idroscalo). Foi muito emocionante, nós estávamos terminando a turnê de um projeto fantástico, que gerou discos, mas que já nasceu com começo, meio e fim, por causa de outros compromissos nossos e do Sakamoto. Naquele dia, os italianos lotaram o parque para ouvir música brasileira, com o toque japonês do Sakamoto, e nós sentíamos toda aquela energia positiva; foi um espetáculo maravilhoso. A plateia curtia, cantava, dançava quando tinha que dançar, chorava quando era o momento de chorar.

Itália em Português – Recentemente, em São Paulo, houve um outro espetáculo – já memorável na carreira de vocês – que reuniu um público de 20 mil pessoas.

Paula Morelenbaum – Pois é, depois desse último show em Milão, ficamos anos sem nos apresentar como um trio, nunca mais tínhamos tocado aquelas músicas juntos. Até que, depois de todos esses anos, fomos convidados para a inaugurar a Japan House, um centro de cultura nipônica, e o show aconteceu no auditório do Parque Ibirapuera. Mesmo depois de tanto tempo, já nos primeiros ensaios, a música brotou, era viva. Era um sinal que aquele trabalho do passado tinha ficado para sempre dentro de todos nós. Foi uma experiência realmente incrível!

(creditos das fotos: Alessandro Bon – Julye Jacomel)

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