Comemos por vários motivos. Aplacar a fome e nutrir o corpo são apenas dois deles. Esse gesto envolve afeto, desejo, prazer, simbolismos e representações que inevitavelmente se confundem com aspectos mais óbvios do ato de comer. Uma experiência clássica, sobre a qual estudantes de psicologia ou interessados no tema certamente já ouviram falar, ilustra esse fenômeno de forma curiosa: o pesquisador americano Harry Harlow demonstrou que filhotes de macaco alimentados por uma estrutura de metal em forma de boneco ficavam tristes e encolhidos pelos cantos, sem motivação para explorar o ambiente. Macaquinhos que permaneciam em companhia de um boneco recoberto por pelúcia (que imitava o pelo de uma fêmea adulta) eram muito mais animados, espertos e interativos. E os filhotes criados por uma macaca de verdade, que além de amamentá-los oferecia contato físico, eram bem os mais curiosos, tranquilos, seguros e aptos a enfrentar desafios – uma interessante interação de calorias com afeto, que vale também para seres humanos.
Em tempos de intensa patrulha estética e cobrança pelo corpo ideal, a relação com a comida parece cada vez mais atravessada por angústias, culpas e distorções. Comemos mal e em excesso, buscamos dietas e suplementos, consumimos informações que acenam com a possibilidade de uma silhueta perfeita (seja lá o que isso signifique, talvez os benditos dois quilos a menos, no caso de grande parte das mulheres). Levando em conta esse cenário, é compreensível que tantas vezes sejam depositadas no alimento da moda expectativas de que sejam capazes de garantir motivação e segurança. Esse imaginário é, pelo menos em parte, apoiado (ou alimentado) por descobertas recentes das neurociências que mostram que comer isso ou aquilo pode proteger o corpo de forma geral e o cérebro – e até atrasar o desenvolvimento de patologias neurodegenerativas como Parkinson e Alzheimer. Tudo indica que vale mesmo incluir na dieta alimentos comprovadamente ricos em flavonoides (substâncias antioxidantes que preservam as células neurais). Há pouco, deparei com uma lista dos “dez alimentos mais saudáveis” que não podem faltar de uma boa dieta. São eles: mirtilo, frutas vermelhas, frutas cítricas, chocolate amargo, chás (branco e verde), vinho tinto (com moderação), derivados de soja, verduras escuras (espinafre e couve, por exemplo), temperos frescos (salsinha e cebola) e especiarias (pimenta, orégano, tomilho.).
Cada um desses alimentos recebeu o aval de vários experimentos neurocientíficos e não tenho a intenção de desmerecer nenhum deles. Pelo contrário (eu, particularmente, até me empenho em incluir a maioria deles em meu cardápio). E faz sentido procurarmos aquilo que realmente faz bem: se na infância (tão distante que a gente nem se lembra) procurávamos o afeto no colo de quem nos aplacava a fome e aquecia, na vida adulta fazer boas escolhas, optando por comidas adequadas que – sem exageros ou escassez – nos forneçam energia, saúde e bem-estar expressa a capacidade de cuidar de si mesmo.
Mas, como ninguém é de ferro, também vale permitir-se, vez ou outra, aquela escapada básica para saborear comidinha com gosto de infância. Não importa se é brigadeiro, bolo de chocolate, pão com couve e com batata frita (sim, confesso, eu adoro esse sanduíche esdrúxulo desde criancinha). O importante é lembrar que existem gostos dos quais a alma sente falta.