Além dos pontos citados no texto como a fragilidade do rastreamento do câncer de mama enquanto estratégia de redução da morbimortalidade por câncer de mama, particularmente no Brasil; e a utilização da campanha como estratégia de marketing sem benefícios diretos à causa, e muitas vezes com danos à população)1, seria importante discutir nesse momento uma parte importante do processo todo da busca a qualquer preço dessa patologia: o sobrediagnóstico e o sobretratamento.
“Sobrediagnóstico é encontrar um resultado positivo em um exame (no caso mamografia), e o considerar “automaticamente” a evidência mais inquestionável de que realmente há uma doença, que, na realidade, trata-se mais de uma alteração num exame, e que não levará a pessoa rastreada a sofrer danos (morrer, por exemplo) dessa ‘doença'”, explica o médico de família e comunidade, Luciano Duro, coordenador do Grupo de Trabalho de Prevenção Quaternária da SBMFC.
Sobretratamento é a consequência quase que imediata do sobrediagnóstico. Medicar seja da maneira que for, uma condição, sem a garantia de que essa intervenção trará resultados positivos à vida do tratado, ou seja, não precisaria ter sido oferecida.
Como exemplo específico, há explicação no estudo Women’s Awareness of and Responses to Messages About Breast Cancer, Overdiagnosis and Overtreatment. Results From a 2016 National Survey (Conhecimento e respostas de mulheres a mensagens sobre câncer de mama, sobrediagnóstico e sobretratamento. Resultados de uma pesquisa de base populacional em 2016 – tradução livre): “Alguns cânceres de mama encontrados por mamografias são tão lentos que não causariam problemas de saúde para as mulheres durante a vida” (sobrediagnóstico) e “alguns tipos de câncer de mama tratados (como com cirurgia ou medicamentos) não precisariam de tal tratamento no final das contas”(sobretratamento).
Inclusive este estudo discute uma outra questão importante: o quanto as mulheres sabem e/ou entendem destes conceitos (Sobrediagnóstico e Sobretratamento)? E, após explicadas, isso muda suas convicções sobre o rastreamento com a mamografia? Pelo que foi mostrado na pesquisa, corroborando outros estudos, poucas mulheres (no caso estadunidenses) tinham ouvido falar sobre isso e, mesmo após explicação, poucas mudariam de ideia sobre buscar o diagnóstico através do exame radiográfico. Aqui entram as particularidades que este tipo de câncer envolve, como estigmas e medos dos tratamentos que geram efeitos colaterais visíveis (perda de cabelos, mastectomias etc) e que lidam com a feminilidade. Ademais, fatores são considerados possíveis influenciadores em se rastrear, ou não, como o conhecimento de alguma pessoa próxima com o câncer, a realização prévia de mamografia, a informação sobre os possíveis danos do exame sendo passada, ou não pelo prestador do cuidado, entre outros. A avaliação dos riscos em se rastrear esta doença através da mamografia em geral é superada por uma supervalorização do exame, com confusões acerca dos possíveis resultados diante das diferentes categorias de risco das mulheres.
“Entendemos como de extrema importância que a comunicação de todos os fatores envolvidos na prevenção do câncer de mama sejam discutidos abertamente, sejam pelos veículos de comunicação, seja pelos prestadores do cuidado, passando por gestores da saúde (secretarias de saúde, planos de saúde etc.). Compreender o quão complexo pode ser a tomada de decisões sobre quando, como e quem rastrear para câncer de mama é tarefa árdua, mas totalmente possível. A população necessita cada vez mais informações produzidas por entidades que cuidem e pensem nas pessoas sem interesses secundários, a fim de se gerar menos medos e confusões, com melhores resultados”, finaliza Duro.