Quando o jovem chef René Redzepi anunciou que queria transformar parte de um antigo estaleiro de Copenhague em um restaurante de comida dinamarquesa, seus amigos (também chefs) desataram a gargalhar. Sugeriram chamar o lugar de “Baleia Fedorenta”. Para eles, a ideia tinha tudo para dar errado. E deu.
Num país de cultura gastronômica sofrível, em que o prato típico consiste em um pão com manteiga e um pedaço de peixe por cima, a imensa maioria dos restaurantes prefere se inspirar na culinária de outros países. A capital dinamarquesa é salpicada de bistrôs franceses (os mais caros), tratorias italianas (as preferidas) e asiáticos a quilo (os mais baratos). Comida dinamarquesa, só em barraquinhas de sanduíches.
Depois de estágios em restaurantes da França e da Espanha, Redzepi decidiu voltar e revolucionar a gastronomia de seu país. Sua grande sacada foi usar receitas francesas, italianas e espanholas consagradas, mas substituir os ingredientes originais por sabores locais. Trocando um foie gras por fígado de bacalhau aqui, um salmão por arenque ali, criou um cardápio à la Frankenstein. Ninguém entendeu a proposta. Seis meses depois, o local, batizado de Noma (não, ele não seguiu o conselho dos amigos) estava às moscas.
Desesperado, lembrou-se do que lhe havia dito um de seus tutores, o chef espanhol Ferran Adrià: “Criar é não copiar”. Redzepi percebeu que estava insistindo em mais do mesmo. “Vi que não podia confiar só na qualidade da matéria-prima nórdica, por melhor que fosse. Os ingredientes tinham de estar afinados com nossa história, nosso estilo e, claro, nossas receitas.”
Redzepi foi então resgatar as origens da cozinha na Dinamarca. “Não tenho nenhuma história bonita sobre como aprendi a cozinhar com minha avó ou sobre herdar receitas de minha mãe”, diz o cozinheiro, filho de uma faxineira e um imigrante iugoslavo que trabalha como taxista. “Tive de consultar livros e ir para a rua ouvir gente mais velha.” Tornou-se companheiro de bar dos pescadores, dominou a arte de defumar peixes usando técnicas domésticas e incursionou pelas florestas à procura de sabores locais (o que já lhe rendeu queimaduras, engasgadas e coleções de carrapatos). “O país tem uma fauna peculiar. Quase tudo é comestível”, diz. “Além disso, muitas plantas eram usadas na cozinha antigamente, mas foram deixadas de lado.”
As empreitadas de Redzepi foram responsáveis por uma das mais rápidas ascensões no mundo da gastronomia contemporânea. Em 2006, dois anos depois de colocar seus novos conhecimentos no cardápio, o Noma ficou pela primeira vez entre os 50 melhores restaurantes do mundo no cultuado ranking S. Pellegrino. Em 2010, foi alçado ao primeiro lugar. Em 2011, de novo. Os amigos nunca mais usaram as palavras “baleia” e “fedorenta” na mesma frase.
O que significa tornar-se a figura responsável por coordenar, aos 34 anos, o melhor templo gastronômico da atualidade? “Para ter um restaurante de sucesso, você tem de cozinhar bem, sem dúvida. Mas também precisa saber se vender, trazer visibilidade”, afirma. “Essas listas nos colocam sob os holofotes.” É uma ajuda muito bem-vinda, principalmente porque Redzepi tem pouco tempo para colocar seu cabelo (sempre empapado de gel) sob os holofotes. De terça a domingo, chega a passar 15 horas no restaurante: às 16h saem os últimos clientes do almoço e às 18h chegam os primeiros do jantar. Quando lhe falta energia, recorre à cafeína: uma boa dose de café expresso, de preferência no balcão do Amalienborg, seu bar favorito em Copenhague. Seu dia só termina à 1 da manhã – quando então assume a função de pai de dois filhos pequenos. (Se não o faz, leva bronca da mulher, também cozinheira do Noma.) “Venho de um lar de gente simples. Minha família não se deslumbra em me ver dando entrevista nos jornais ou cozinhando na televisão. Quando minha mãe me liga, quer é saber se a neta está tendo tempo suficiente com o pai.”
Uma das coisas que chamam a atenção no Noma é reunir, com a comida, o estilo de vida dos países mais gelados da Europa: simples, aconchegante e familiar (Noma é uma abreviação para Comida Nórdica, em dinamarquês). O restaurante não tem garçons. Quem serve as mesas são os próprios cozinheiros. São 30 ao todo – uma média de quase um chef por cliente.