Essa indústria carrega uma pergunta do instinto: como viver bem em vários aspectos da vida de maneira imediata e (quase) sem esforço? As respostas vendem bem, mas são reducionistas e falsas.
*Por Dr. Bayard Galvão
Autoajuda é a ideia ser feliz e cuidar de si, resolvendo os próprios problemas psicológicos, emocionais, de relacionamentos ou profissionais. É uma proposta tão antiga quanto as escolas filosóficas da Grécia antiga, como os Céticos, Estoicos e Epicuristas.
Essencialmente, cada escola filosófica propunha um tema e como lidar com ele, seja o medo da morte e como lidar com ela; as opiniões dos outros e como encará-las; amizade e como cuidar do mesmo; a solidão e exercício de como vivê-la bem; o que seria felicidade e como ser feliz e tantos outros assuntos tão necessários ao viver bem.
A “indústria da autoajuda instantânea ” carrega uma pergunta do instinto: como viver bem em vários aspectos da vida de maneira imediata e (quase) sem esforço? As respostas vendem bem, mas são reducionistas e falsas.
Viver de maneira simples, lúcida, sem maiores esforços e com prazeres diários é possível apenas para os seres que frequentam “pet shops” semanalmente. Busque ser uma boa mãe sem esforço, ter bons amigos sem dedicação, ser bem sucedido profissionalmente e financeiramente de maneira “light”, além de ter um corpo esteticamente atraente sem torturas gastronômicas e “caras de dor” no espelho da academia. Aí, então, você verá que a autoajuda simplista vai para o ralo.
Quem não gostaria que o conceito “seja fluente em inglês em um mês” fosse verdadeiro? Não apenas para aprender inglês, como também para passar numa prova difícil da faculdade, lidar com épocas difíceis do casamento, perder 10 quilos em duas semanas comendo o que quiser, lidar com a perda do emprego e todas as outras mentiras que existem deste tipo.
Até meados do século XVI havia a “venda de indulgências” (ainda existem variações nos dias de hoje), que se referiam a venda de objetos religiosos mentirosos de espetacular representação, como um pedaço de madeira que seria da cruz que Jesus Cristo fora crucificado. O mesmo tem acontecido com as fórmulas secretas de tantas revistas e espertalhões da autoajuda motivacional e estética com frases do tipo “Você pode ser o que quiser na sua vida. Pergunte-me como!”. Uma reflexão um pouco mais aprofundada se desdobra na afirmação: qualquer garoto que queira jogar futebol como o Pelé ou qualquer criança que queira ser Beethoven, basta me seguir e indicarei o caminho!
Ser bem sucedido é atingir aquilo que se propusera, seja ter um corpo escultural, ser rico, tornar-se sábio, ter um casamento saudável e duradouro, educar bem os filhos, ser um profissional de mérito, ter um bom caráter e/ou bons amigos. Pois bem, nada disso é fácil, imediato e desprovido de esforço.
Para viver uma boa vida é necessário refletir sobre si e outros, questionar-se, estudar para se tornar um profissional de mérito, observar os próprios erros, perceber o que tem de bom em si, tentar se olhar com os olhos do outro e compreender as próprias faltas e falhas, saborear o que a realidade oferece, mentir pouco ou nada para si, tomar decisões complicadas e de implicações dolorosas, saber frustrar desejos injustos dos outros e próprios, saber que uma altíssima autoestima é apenas possível na arrogância, saber lidar relativamente bem com as dores da vida e lidar com crises dos diferentes tipos.
Viver bem não é fácil e nem simples, mas aprender a se dedicar, contar a verdade de si e do mundo para si e aprender a lidar bem com tudo isso, traz o esperado para você, senão mês quem vem, quem sabe em alguns anos.
É preciso aprender a viver bem, até para morrer bem e degustar a vida no que, de fato, ela oferece.
* Dr. Bayard Galvão é Psicólogo Clínico formado pela PUC-SP, Hipnoterapeuta, autor de cinco livros e Presidente do Instituto Milton H. Erickson de São Paulo www.hipnoterapia.com.br