*Por Osvaldo Luiz Silva
No relato de Lucas (4,1-13) da tentação de Jesus Cristo, após duas investidas frustradas, o Demônio atrevidamente usa da própria Palavra de Deus para fazer uma “pegadinha”, porque Jesus tinha prevalecido nas duas primeiras tentativas justamente citando as escrituras. E não foi com uma passagem qualquer (se é que há uma qualquer), mas com o Salmo (90, 91), (11 e 12): “Pois ele dará ordens aos seus anjos para te guardarem em todos os teus passos. Em suas mãos te levarão para que teu pé não tropece em nenhuma pedra”. O tentador disse: Pula! Tudo isso em pleno templo de Jerusalém, na sua parte mais alta.
Jesus se mantém lúcido e responde: “Não tenteis o Senhor vosso Deus” (Dt 6,16). Uma passagem puxando outra: “Chamou o lugar de Massa… porque ali os israelitas… puseram à prova o Senhor, dizendo: ‘O Senhor está no meio de nós, ou não?” (Ex 17,7). O povo no deserto estava desesperado sem água e, no sofrimento, rapidamente se esqueceu de tudo que tinha acontecido (e não era pouco): as 10 pragas no Egito, travessia a pé pelo meio do mar, pássaros e maná para matar a fome…
Deus cuida tanto da gente, que corremos o risco de ficar mal acostumados. e passar a pensar que Deus é nosso empregado, como se fosse obrigação dele fazer tudo. A natureza humana não é fácil. Quantas vezes não vemos isso acontecer? Alguém que recebe tanto dos outros, que já não valoriza o ofertado, desperdiça, ou pior: na primeira vez que a doação não vem, se volta contra quem o ajuda, “cospe no prato que comeu”.
Voltando ao Salmo 90 – que tantos mantêm aberto em suas bíblias –, precisamos ter, sim, a confiança e a paz de que Deus está no meio de nós. Mas essa fé deve estar dentro da liberdade e da corresponsabilidade. Nada de querer fazer espetáculo, ou ainda, querer exigir de Deus o que pode ser alcançado pelos próprios braços ou o que nem se tem necessidade.
Colocamos Deus à prova, também, quando podendo evitar, abusadamente nos expomos a diversas situações de risco desnecessárias, acreditando ser obrigação dele nos proteger.
Lembro da catequese de um padre, quando ainda era adolescente, dizendo ser pecado essa exposição da nossa vida – inclusive em aventuras perigosas demais… É um erro achar que Deus irá nos socorrer se agirmos displicentemente, nos arriscando e pondo à prova também a vida do outro. Não queira ouvir como o demônio: “Não porás à prova o Senhor, teu Deus” (Lc 4,12).