*Cássio Faeddo
A Receita Federal, como noticiado amplamente, tem investigado a relação de trabalho entre alguns profissionais da imprensa e veículos de comunicação. O objetivo é a verificação de fraude fiscal com fundamento em simulação contratual de prestação de serviços por pessoa jurídica no lugar de relação de emprego nos moldes da CLT.
Esse fenômeno não é novo, mas tem se ampliado com bastante vigor. Se, por um lado, o prestador de serviços deixa de receber férias, 13º salário, FGTS mais 40%, descanso semanal remunerado, estabilidade em caso de acidente ou doença equiparada a acidente de trabalho, dentre outros direitos, por outro lado deixará de recolher imposto de renda que pode chegar a uma alíquota de 22,5% para rendimentos mensais a partir de R$ 3.751,06.
Ainda, o jornalista, pela CLT, tem direito a jornada especial de 5 horas conforme estabelece o artigo 303 do texto consolidado, podendo ser elevada a jornada para 7 horas, por acordo escrito, com aumento salarial e intervalo para repouso.
Ao jornalista celetista também se aplicam acordos e convenções coletivas da categoria, conforme pactuem os sindicatos.
Entretanto, como pessoa jurídica, dependendo do enquadramento, no Simples, o imposto será em torno de 12% ao mês, com alguma variação, mais recolhimento de contribuição ao INSS. Não terá direitos trabalhistas, terá normalmente apenas um cliente, mas recolherá imposto menor.
Todavia, para que haja real verificação de que há relação de emprego ou não, a competência será exclusiva da Justiça do Trabalho, por força do artigo 142 da Constituição Federal.
Portanto, apesar de poder fiscalizar e autuar, a Receita Federal não tem competência para declarar a natureza da relação jurídica trabalhista existente entre as partes contratantes. Será apenas com a análise de fatos e provas perante um juiz do trabalho que poderemos ter a declaração de qual relação de trabalho se trataria.
E há uma razão para tal. Uma relação de emprego envolverá avaliar a existência de alguns elementos que estão dispostos nos artigos 2º e 3º da CLT. Considera-se empregado a pessoa física que mediante salário presta serviço de forma pessoal, não eventual e subordinado a um empregador, que pode ser pessoa física ou jurídica.
O fato da pura e simples constituição de pessoa jurídica para trabalhar não afastará o reconhecimento de vínculo de emprego, uma vez que o direito do trabalho entende o contrato de emprego como um contrato realidade. Por isso, deverá ser analisada a realidade vivenciada na relação contratual entre as partes, bem como se estão presentes os elementos acima citados.
Nos contratos de trabalho no setor de comunicação, como em tantos outros, tornou-se conhecido o sistema de pejotização da relação de emprego. Sem dúvida, fraude dual da relação contratual que sonega impostos e direitos trabalhistas.
Ocorre que jornalistas, aparentemente, podem parecer empregados, mas estabelecerem outras atividades empresariais na relação, fato que afastaria, em tese, a condição de empregado. Por exemplo, o jornalista poderia apresentar um telejornal ou um programa de TV, e também participar ativamente nos lucros provenientes dos patrocinadores do horário. Teria que ser verificado também, dentre outros aspectos, o nível de participação financeira no negócio.
Poderia também trabalhar com equipe própria na montagem do programa, ainda que apresente pessoalmente o jornal. Ou seja, detém a autonomia para contratar e demitir profissionais da equipe sem consultar o contratante.
Ainda, deve ser avaliado se o jornalista pode estabelecer uma linha editorial ou mesmo interferir nesta escolha.
Portanto, o caminho jurídico adequado envolverá a verificação do contrato por órgão competente, no caso, a Justiça do Trabalho.
São elementos que são estranhos à lei, mas podem ditar autonomia e características de pessoa jurídica.
E mais, no momento político atual, sob a lógica do trabalho uberizado e pejotizado, não há bons ventos para demandas de partes hiperssuficientes na Justiça do Trabalho. Especialmente depois da Reforma Trabalhista, tornou-se mais arriscada a propositura de ações para reconhecimento de vínculo de emprego.
Como uma ação para reconhecimento de vínculo empregatício flerta com a improcedência total da demanda, o autor da ação pode sair sucumbente no processo e ter a obrigação de pagar honorários para a parte vencedora; no caso, para o advogado da empresa:
Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
Dificilmente um jornalista, pelo menos aqueles que ganham acima de 40% sobre o teto da Previdência Social, conseguirão, em tese, o benefício da Justiça Gratuita na Justiça do Trabalho, correndo, desta forma, um sério risco de arcar com um grande prejuízo na demanda.
Ocorre que cada vez mais a Justiça do Trabalho caminha para atender trabalhadores com ganhos modestíssimos.
Todavia, um alerta! Para reconhecer o vínculo de emprego, haverá necessariamente uma fraude consequente a ser declarada pelo juízo. Portanto, a fraude demandará a existência de dois lados, tanto do falso prestador de serviços autônomo quanto do contratante.
*Cássio Faeddo. Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais. FGV/SP.