Como ocorre ansiedade entre crianças e jovens

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superam os de adultos. É o que mostra análise da Folha a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS de 2013 a 2023, período com dados disponíveis.

O fato é que todos estamos acostumados a lidar com certo grau de ansiedade. Afinal, quem nunca ficou na expectativa por um evento importante, ou pelo nascimento do filho? Essa espera é normal, para adultos e crianças. Em alguns casos, porém, pode existir um quadro patológico e alguns sinais reforçam essa suspeita. Isolamento social, tonturas, medos e preocupações excessivas, queda no rendimento escolar e oscilações de humor, quando presentes por um período de seis meses na criança ou no jovem, devem ser avaliados por especialistas em saúde mental.

Mas é preciso que haja uma observação atenta aos sintomas, já que hoje, em função do acesso desenfreado às redes sociais, pode acontecer um exagero nos diagnósticos, como explica Filipe Colombini, psicólogo parental e CEO da Equipe AT. “As crianças e adolescentes têm um contato estreito com as questões de saúde mental, já que diversos influenciadores abordam o tema em suas redes”, explica Filipe. “Este público acaba identificando mais facilmente suas questões de ansiedade e depressão, mas, por outro lado, podem supervalorizar o diagnóstico, esquecendo que sentimentos como o medo, a ansiedade e a tristeza são absolutamente normais”, conclui.

Isolamento social, tonturas, medos e preocupações excessivas, queda no rendimento escolar e oscilações de humor. Foto: Getty Images

Um segundo ponto observado pelo especialista diz respeito aos impactos da pandemia da Covid-19 entre os mais jovens. “Muitas crianças e adolescentes não foram devidamente alfabetizados, não se adaptaram ao ensino à distância e ficaram afastados de seus círculos sociais, o que gera ansiedade”, diz Filipe. “Por isso hoje ainda vivemos uma pandemia psicológica”, conclui.

Com relação à influência de games e telas, Colombini pede cautela, já que existe uma questão maior por trás: a terceirização familiar, que acaba abrindo espaço para o uso abusivo de dispositivos eletrônicos.

“Crianças que não têm rotina, regras e limites e são negligenciadas ou superprotegidas, acabam utilizando as telas em excesso. Para evitar isso, os pais devem manter um ambiente enriquecido para a criança, com escola, atividade física, hábitos, ou seja, atividades além das telas”, diz o psicólogo.

Crianças que não têm rotina, regras e limites e são negligenciadas ou superprotegidas, acabam utilizando as telas em excesso.

O excesso de informações que vivemos hoje em dia também tem impactos na saúde mental deste público. “Eles acham que precisam consumir mais e têm o sentimento de que sempre estão atrasados”, observa Filipe. Nesse aspecto, os pais também têm forte influência, já que a cultura parental que coloca o desempenho escolar acima de tudo é muito forte, especialmente nas instituições de ensino tradicionais. “Ainda hoje as escolas funcionam como na década de 40, com uma pressão absurda por rendimento e aprovação nos vestibulares e, dessa forma, as crianças ficam estressadas. Isso pode desencadear sentimentos ansiosos, já que a criança pensa que tudo o que faz não é suficiente, e passa a nutrir sensações de baixa autoestima e fracasso”, conclui.

Não dá para falar de infância e adolescência sem falar dos pais

Para evitar a ansiedade entre crianças e jovens, o desenvolvimento de habilidades parentais é muito importante, já que a evolução dos filhos depende fundamentalmente de suas interações com seus pais e com o ambiente social mais amplo.

Mesmo com acesso a informações sobre saúde mental, Filipe Colombini avalia que a geração que tem entre 35 e 50 anos ainda é resistente a procurar ajuda nessas questões. “E isso é um problema, já que os pais acabam colocando a culpa nos filhos, como se estes precisassem fazer terapia e melhorar e os adultos não tivessem nada a ver com seus comportamentos”, alerta.

Ainda segundo o especialista, com o treinamento parental, os pais passam a entender cada fase do amadurecimento e, assim, conseguem distinguir o que está dentro da normalidade do que não está. “Muitas vezes, os níveis de ansiedade da criança e adolescente serão maiores em função de seus desafios sociais, o que é esperado e não configura necessariamente um transtorno”, diz Colombini.

A evolução dos filhos depende fundamentalmente de suas interações com seus pais e com o ambiente social mais amplo.

O modelo parental que os pais exercem também é trabalhado nestes treinamentos. Isso porque não é incomum que os adultos copiem as atitudes de seus próprios pais ou, então, colocam em prática exatamente o oposto, por considerar que sua educação foi muito rígida, o que pode levar a atitudes de violência e agressividade, mas também à superproteção, favorecendo um ambiente que gera ansiedade nos filhos.

Acima de tudo, lembra Filipe, nem tudo é transtorno psiquiátrico, mas alguns casos requerem ajuda especializada. O Acompanhamento Terapêutico (AT), modalidade de terapia fora do consultório, é muito indicado para crianças e adolescentes, já que o psicólogo que atua como AT ajuda a família na criação de uma rotina adequada e também na adaptação de ambientes, o que traz mudanças efetivas no dia a dia dos pequenos, que, muitas vezes, têm enorme dificuldade em relatar suas questões na terapia convencional.