Como transformar a análise de crédito em um processo mais inclusivo e menos discriminatório?

Credito Freepik

* Por Ana Bárbara

De todas as mazelas que atingem o Brasil, a desigualdade de oportunidades talvez seja a que mais me preocupa. Em um mundo onde ter renda é um dos fatores primordiais para se ter acesso, ocupar o oitavo lugar no ranking de países mais desiguais do planeta significa privar milhões de pessoas de vários direitos básicos – inclusive do direito à educação.

Aqui no Pravaler, trabalhamos todos os dias para mudar esse cenário, servindo como facilitadores para que cada vez mais pessoas possam ter acesso a crédito e investir em educação de qualidade. A gente costuma dizer que aqui, crédito é ponte, e não barreira.

No entanto, para que isso seja uma prática e não apenas uma frase de efeito, nós – conduzo e me coloco como parte de uma equipe de risco e análise de crédito – precisamos precisamos trabalhar dia após dia para que as políticas sejam cada vez mais inclusivas e menos discriminatórias, cuidando também para que nosso risco continue controlado e abaixo da média do mercado.

Um desafio e tanto.

Seguir políticas de crédito conservadoras seria muito mais fácil. Bastaria analisar as informações básicas e os dados financeiros dos nossos possíveis clientes para decidir ou não pela concessão. O problema é que esse tipo de análise potencialmente reforçaria a desigualdade. Ao utilizar somente informações generalistas, como CEP e histórico financeiro, por exemplo, para determinar bons ou maus pagadores, há uma tendência discriminatória de negar crédito para populações periféricas e jovens que não têm comportamento financeiro já observado na sociedade.

E se a gente acredita que a educação é a maneira mais eficaz e segura de mudar realidades e, consequentemente, transformar o mundo, desconsiderar o crédito para quem sempre teve menos oportunidades é combater a nossa própria crença.

Por isso, eu gosto de pensar que, antes de lidar com modelagem de risco de crédito, eu lido com pessoas. E essas pessoas têm ambições e sonhos. Valores e necessidades. Destinos e histórias que podem ser diferentes se eu e a minha equipe fizermos um trabalho consciente e dedicado.

Mas o que seria esse trabalho? Como transformar a análise de crédito em um processo mais inclusivo e menos discriminatório na prática, mantendo os padrões de risco adequados para a empresa?

Para tentar responder a essa pergunta tão importante quanto complexa, vou destrinchar aqui cinco pontos principais.

1. Coletar, armazenar e tratar dados com respeito e atenção

Pesquisas, interações, compras: hoje em dia, tudo o que fazemos em ambiente virtual gera dados que, com o consentimento do consumidor e atendimento aos padrões vigentes, podem ser tratados para virar informação. Há 20 anos o Pravaler trabalha com financiamento estudantil – ou seja, temos um histórico riquíssimo de dados e informações sobre os perfis, as necessidades e as complexidades do estudante brasileiro. Nos apropriarmos de informações específicas do nosso negócio, que são, sem dúvida, muito relevantes para diferenciação do nosso modelo.

2. Testar novas variáveis

De forma complementar a variáveis tradicionais de análise de crédito, a tecnologia hoje nos permite tratar um conjunto muito mais amplo de variáveis e com muito mais velocidade.Quanto mais variáveis conseguirmos incluir na análise, melhor pra gente, que pode ampliar a nossa carteira de clientes com um bom padrão de inadimplência, e melhor para o público, que pode ter acesso facilitado ao crédito estudantil.

Um exemplo de variável não convencional são as digitais. Se na análise de crédito tradicional leva-se em consideração onde a pessoa mora – ou seja, o seu refúgio no mundo real -, as novas práticas de análise de crédito procuram entender também qual é o “portal de entrada” dessas pessoas para o mundo virtual – ou seja, qual tipo, modelo e tamanho de dispositivo elas usam para acessar a internet.

É um parâmetro que não deve ser tratado como definitivo, mas que, sem dúvidas, pode ajudar na tomada de decisão.

3. Segmentar tanto quanto for possível

Toda generalização é imprudente. Por outro lado, num universo de milhares de pessoas, é impossível ir a fundo nas particularidades de cada um. A saída, portanto, me parece estar na segmentação, que pode ocorrer de diversas maneiras. Hoje as técnicas de machine learning trazem muitas oportunidades neste sentido, depende de nós nos apropriamos delas. É da intersecção de várias segmentações que sai uma análise de crédito mais precisa e justa.

4. Uso de modelos de crédito alternativos

Qualquer ferramenta que nos leve a conhecer melhor o nosso público é muito bem-vinda. E quando falamos de público jovem, sem experiência financeira, este trabalho ganha ainda mais importância. Há 1 ano temos parceria com a Innovative Assessment, uma startup israelense que desenvolveu um modelo a partir de um teste de personalidade exclusivamente voltado para análise de crédito. Com a aplicação desse teste, que pode ser facilmente respondido pelo usuário em poucos minutos, conseguimos conhecer melhor o comportamento dos estudantes em situações financeiras cotidianas, e com isto atribuir-lhe uma pontuação. O resultado desta modelagem nos permitiu conceder 17% a mais de crédito universitário.

5. Revisitar as próprias práticas com frequência

O mundo é muito dinâmico. As relações, as pessoas, as tecnologias: tudo muda com rapidez. E nós precisamos estar dispostos a rever os nossos conceitos com frequência para acompanhar esse ritmo frenético. Por isso, constantemente revisitamos os nossos modelos, definimos novas políticas de crédito e descartamos aquelas que estão mais aderentes ao nosso negócio e ao nosso propósito.

Com esses cinco pontos concluo dizendo que no fim, mais do que importante, atualizar-se é crucial para se manter vivo. Se para aprender e se formar um aluno precisa fazer as suas lições de casa, nós também precisamos fazer a nossa se realmente quisermos investir na educação como ferramenta de transformação social.

*Ana Bárbara, Head de Risco, Crédito e Cobrança do Pravaler  É formada em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), com Master em Microfinanças e Desenvolvimento Social pela Universidad de Alcalá de Henares, na Espanha,