Enquanto escrevo esse artigo, me deparo com duas matérias contrastantes: “Fome cresce e, pela 1 vez em 17 anos, mais da metade da população não tem garantia de comida na mesa” e “No ano da pandemia, Brasil ganha 11 novos bilionários na lista da Forbes” somados aos mais 4 mil óbitos de Covid no Brasil. O sentimento de impotência é grande dada a crise social, política e sanitária que o nosso país está vivendo.
O Brasil foi o país que pior gerenciou a pandemia de Covid-19 no mundo, de acordo com um levantamento pelo Lowy Institute, think tank da Austrália. Eles analisaram quase 100 países de acordo com seis critérios, como casos confirmados, mortes e capacidade de detecção da doença.
Somos um país extremamente rico, porém igualmente díspar. O Brasil ocupa o lugar de sétimo país mais desigual do mundo, segundo o último relatório divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em 2019, ficando atrás apenas de nações do continente africano: África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.
É inegável que a covid-19 evidenciou as desigualdades sociais e econômicas no Brasil e no mundo. Por aqui, a falta de políticas públicas e de acesso a serviços básicos, como saneamento e saúde, agravou a situação dos mais pobres.
A agência ONU Mulheres calcula que em 2021 haverá, no mundo, quase 435 milhões de mulheres pobres, 11% a mais do que se não tivesse acontecido a pandemia. Um retrocesso equivalente a quase 30 anos. No Brasil, 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho ao longo de 2020.
Em relação ao mercado de trabalho, a maior parcela de desempregados é da população negra, são 64,2% do total de 13,7 milhões sem ocupação, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto 34,6% dos trabalhadores brancos estavam em ocupações informais, entre os pretos ou pardos esse percentual era de 47,3%.
Portanto, dado o nosso contexto histórico, político, social e sanitário, discutir sobre Direitos Humanos no Brasil exige responsabilidade e profundidade e que a base do pensamento neoliberal, – isto é, a limitação do Estado para a consequente ascensão da liberdade individual, dos direitos individuais, da igualdade perante a lei, da proteção à propriedade privada e do livre comércio – precisa ser revisitada dentro do atual cenário de colapso que estamos vivendo.
A partir do momento que eu me entendo como um indivíduo isolado de todo contexto social, político, econômico e cultural e me autorizo a tomar decisões e a fazer escolhas que beneficiem único e exclusivamente a mim mesmo ou ao meu negócio, é evidente que isso levará que aqueles que possuem mais possibilidades de escolhas terão mais liberdades individuais para tomarem suas decisões. E, portanto, serão mais beneficiados e aqueles que possuem menos oportunidades estarão restritos àquela pequena parcela de possibilidades de escolha.
As escolhas individuais não vão nos levar muito longe e temos que pensar em termos de interdependência. Passamos a perceber que todos aqueles ideais liberais pregados em termos econômicos na prática, ao invés de reduzir as desigualdades, as acentuam, caso não exista um olhar sistêmico e crítico para a sociedade.
É tempo das lideranças assumirem o seu compromisso inegociável com a sociedade dado o seu capital social, econômico, político e cultural que ocupam. Independentemente do setor e da posição hierárquica que possuem, líderes que se reconhecem responsáveis pelas funções sociais que carregam, têm engajamento crítico e político com as pautas de Direitos Humanos, reconhecem os seus lugares de privilégio e conseguem servir de forma a beneficiar pessoas que não necessariamente ocupam os mesmos lugares sociais que estas pessoas. Por isso, elas devem, mais do que nunca, se reconhecer como parte inegociável da solução para a crise social, política e sanitária que vivemos, devolvendo e servindo à sociedade com o melhor que puderem.
Hoje não há mais espaço para lideranças que exercem poder sobre as pessoas, mas sim com as pessoas compreendendo que fazemos parte de um todo que é interdependente. Os líderes também precisam entender que o impacto das ações deles reverbera nos demais e que é necessário atender os próprios sentimentos e necessidades sendo responsável com os sentimentos e necessidades dos outros para que as necessidades de todos sejam satisfeitas.
Podemos ser parte de uma solução e de uma cura. E a base dessa mudança tem a ver com uma cultura que a gente tem no mundo corporativo de competição, escassez, assimetria de poder, e que para uns estarem melhores outros necessariamente precisam estar em desvantagem.
O recurso mais abundante que possuímos é a capacidade humana de curar e cuidar. Tiramos os maiores sentimentos de alegria e felicidade a partir desse lugar de cuidar do outro. Mas, a maior parte das empresas não tem a oportunidade de expressar o seu amor e cuidado.
E para isso acontecer, a vulnerabilidade é uma habilidade a ser aprendida por todos, em especial, as lideranças. Se a liderança se expressa de maneira genuína, esse lugar de amor e responsabilidade com os outros muda as organizações. Temos que expressar o nosso amor para o mundo.