Testes com camundongos modificados mostram que o GH induz o apetite após ser estimulado pelo “hormônio da fome”, a grelina. Descoberta abre precedente para tratamentos contra obesidade.
Pesquisadores do Laboratório de Neuroanatomia Funcional do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) identificaram novas funções para o hormônio do crescimento, conhecido como GH (Growth Hormone, em inglês). Além de regular a estatura e o crescimento ósseo, esse hormônio também tem uma participação fundamental no mecanismo que induz a fome, através da regulação da grelina, conhecida como “hormônio da fome”, constatou o estudo. O trabalho foi publicado na revista científica Endocrinology.
Até então, acreditava-se que a grelina fosse responsável por induzir a sensação de fome, uma vez que os níveis do hormônio aumentam quando o indivíduo está com fome e diminuem após a refeição. No entanto, testes realizados em camundongos geneticamente modificados provaram que não há fome sem o hormônio do crescimento. “Nós produzimos animais sem os receptores de GH no cérebro e injetamos grelina neles para estimular a fome. O efeito das injeções foi praticamente nulo. Em tese, elas causariam uma fome intensa após 30 minutos”, afirma o professor José Donato Júnior, coordenador do estudo. “Além disso, continuamos coletando o sangue dos camundongos e vimos que a concentração do hormônio do crescimento aumentava após aplicarmos a grelina. Ou seja, a capacidade da grelina em estimular a secreção de GH está mantida”, complementa.
Desta forma, pode se dizer que a sensação de fome no cérebro é induzida por uma atuação conjunta desses dois hormônios, já que a grelina, ao estimular a secreção de GH, induz a ingestão alimentar. O GH é secretado pela glândula hipófise, localizada na base do cérebro, que libera vários hormônios. Para estimular a secreção do GH, a grelina se liga ao seu receptor situado nesta glândula. “O mecanismo que nós apresentamos rompe com a ideia de que a grelina é o hormônio da fome e nos leva a crer que esse título talvez pertença ao GH”, revela Donato.
Em um estudo anterior , publicado em 2019 na Nature Communications, o grupo já tinha identificado que o GH era responsável por ativar um grupo de neurônios do hipotálamo chamado AgRP, que controla a ingestão alimentar e o gasto energético. Em testes em animais, o bloqueio do receptor do hormônio no cérebro estimulou a perda de peso. Futuramente, as descobertas do laboratório podem auxiliar o desenvolvimento de novas terapias para controle de peso e regulação da ingestão alimentar.
Para bloquear os receptores do hormônio, os pesquisadores utilizaram o pegvisomanto, medicamento usado para tratar a acromegalia, doença rara causada pela produção excessiva de GH, caracterizada pelo crescimento exagerado de partes do corpo, além de complicações como diabetes, hipertensão e insuficiência cardíaca. “Seria uma alternativa interessante, porque é um remédio já aprovado e adotado no mundo todo”.
Além da obesidade, segundo ele, o conhecimento sobre as ações do GH também pode ser útil no tratamento de outras condições, como o estresse pós-traumático. Em 2014, pesquisadores americanos descobriram que pessoas que passam por experiências traumáticas têm excesso de grelina. “Esse excesso causa o aumento da produção do GH, levando ao desenvolvimento do estresse pós-traumático”, explica.
O GH também é importante do ponto de vista anabólico porque causa lipólise no tecido adiposo, ou seja, degradação de gordura, além de estimular a síntese proteica e favorecer o ganho de massa muscular. “Ao mesmo tempo, para produzir esses efeitos anabólicos, o organismo precisa de energia – aí entra a ação estimuladora da fome, induzida pela grelina e mediada pelo GH”, aponta o pesquisador. “Outro exemplo de função do GH é quando ocorre a hipoglicemia: o indivíduo secreta mais GH e sente fome, buscando aumentar a glicose no sangue”.