O objetivo central de um Estado Democrático de Direito deveria ser proteger os direitos individuais sem exacerbá-los a ponto da igualdade ser solapada de forma impiedosa.
Por outro, a igualdade não pode ser levada ao extremo, o que já se demonstrou como forma de sufocar a liberdade, a criatividade, e o que é pior, gerar uma categoria de privilegiados que dispõe no Estado como essa igualdade deverá ser exercida, embora estes não se submetam aos mesmos direitos da maioria.
Não importa o viés político, seja de esquerda o de direita, muitos autocratas se oferecem como a solução para os problemas do Estado e do cidadão.
Há no mundo atualmente, não que tenha ocorrido somente agora, um movimento que associa a decadência do Estado aos costumes. Em outras palavras, a perda de conforto, os bons tempos idealizados como vividos em um passado que não voltam mais, teriam relação com avanço das pautas identitárias e de direitos humanos.
Com este discurso refratário e apegado aos costumes foram eleitos ou se firmaram politicamente, alguns líderes de extrema direita. Assim ocorreu com Trump, nos EUA; Viktor Orbán, Primeiro-ministro da Hungria; Espanha, Santiago Abasca; Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, dentre outros.
Em comum entre todos estes políticos a prática de minar as instituições democráticas, seja reiteradamente confrontando as instituições, desacreditando eleições, até utilizando-se de ferramentas legais para alterar todo o ordenamento jurídico que lhes possam interessar.
Na maioria das vezes as alterações nos textos da legislação entram em choque com tratados internacionais de direitos humanos ou mesmo com a própria Constituição.
Recentemente, Viktor Orbán, Primeiro-ministro da Hungria, alterou o conceito de família na Hungria. Agora, neste país, a família é conceituada como casamento entre um homem e uma mulher e, por consequência desta definição, a relação com filhos; assim passou a vigorar explicitamente que “a mãe é uma mulher e o pai é um homem”.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi banido constitucionalmente na Hungria em 2012 sendo reconhecidas legalmente apenas as uniões civis, assim, agora somente os casados (homem e mulher), poderão adotar uma criança.
Com essa alteração o país impede que casais do mesmo sexo ou mesmo pessoas solteiras possam adotar uma criança; também é determinado que a criação dos filhos obedecerá esse conceito e dentro da tradição cristã.
Destacamos que poderia ser pior. Há alguns países islâmicos que utilizam a Sharia [Lei Islâmica], punindo com morte a relação entre pessoas do mesmo sexo, como é o caso do Sudão e Paquistão, como exemplos.
Aqui no Brasil, após decisão do Supremo Tribunal Federal, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, aprovou a Resolução 175/2013 estabelecendo que “é vedada às autoridades competentes” a recusa em celebrar casamento civil ou em converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Por consequência, a Adoção Homoparental foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal:“O conceito de família não pode ser restringido a casais heterosexuais“.
Apesar dos marcos acima expostos, estes foram, como são, objetos de projetos de Lei em sentido contrário que buscam restringir o conceito do casamento homoafetivo, e, consequentemente, dificultariam a adoção.
O Estado Liberal Democrático se pauta por princípios que buscam o vigilante combate à discriminação, uma vez que para que o indivíduo viva em uma sociedade é necessário que se reconheça nela como cidadão pleno, e membro integrante de seus sistemas e instituições.
Preconceitos com roupagem legal, mas relacionados à religião, deveriam estar superados, pois são mecanismos de esgarçamento e retrocesso do próprio Estado Democrático de Direito, tornando este campo aberto para a autocracia.
Cássio Faeddo – Sócio Diretor da Faeddo Sociedade de Advogados. Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO. Professor de Direito. MBA em Relações Internacionais/FGV-SP