*Francine de Faria
Em 18 de setembro de 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor, trazendo diversas mudanças em nossas vidas e na forma de nos relacionarmos com a coleta e tratamento de dados pessoais. Com a nova legislação, a premissa é o consentimento expresso e acesso irrestrito do titular dos dados sobre suas informações prestadas a qualquer entidade.
A lei tem o objetivo de proteger a privacidade e liberdade dos brasileiros, de modo a garantir segurança, transparência e maior controle sobre o uso de suas informações pessoais, tanto em relação a quem terá acesso, assim como o que será acessado. Por esta razão, a LGPD estabelece um conjunto de regras para o tratamento dos dados pessoais, desde sua coleta, armazenamento, uso, compartilhamento, até mesmo o seu descarte.
Agora com a vigência da lei, o titular do dado deverá ser comunicado sobre a finalidade para qual se destina a prestação daquelas informações pessoais, além disso, dependendo para qual finalidade se destina, o titular deve autorizar expressamente. Os cuidados envolvidos na coleta e tratamento dos dados, visam tornar as relações mais transparentes e seguras, reduzindo, assim, riscos de vazamentos e uso indevido das informações pessoais.
A LGPD também está trazendo mudanças significativas nas rotinas das empresas, principalmente no que se refere ao tratamento dos dados de seus colaboradores, prestadores de serviços, parceiros, sócios e todas pessoas físicas que de alguma forma precisem ter seus dados disponibilizados para as organizações. Por esta razão, é fundamental que as empresas revisem todos seus procedimentos de coleta de dados, de modo a compatibilizá-los com as previsões da LGPD.
No que se refere aos empregados, as empresas devem estar atentas, pois os cuidados com a coleta de dados em todos os momentos contratuais, desde a fase pré-contratual, fase contratual e pós-contratual, devem estar presentes.
Fase pré-contratual
O tratamento de dados inicia-se na fase pré-contratual, momento do processo de seleção, com o recebimento e triagem dos currículos, entrevistas, até a efetiva contratação. Nesta fase é comum e necessário a coleta de uma série de informações dos candidatos, de modo a mapear o perfil pessoal e a sua compatibilidade com a vaga e com a organização.
Agora, com a LGPD, o recrutador deverá ter a cautela de analisar antecipadamente a necessidade e pertinência dos dados solicitados, para que não atraia riscos para a empresa. Ademais, o candidato deverá ser cientificado sobre a finalidade para que se destina a coleta e utilização daquelas informações, bem como deverá autorizar expressamente o manuseio dos dados por aquela organização.
As empresas, portanto, deverão criar políticas internas, inclusive, tratando sobre para eliminação dos dados obtidos após a dispensa do candidato à vaga, estipular prazo para descarte dos currículos recebidos, dando ciência ao titular dos dados, além de estabelecer penalidades em caso de constatação do uso indevido dos dados.
Algumas organizações têm a prática de arquivar currículos para uso futuro, nestes casos, obrigatoriamente deverá haver autorização expressa do candidato para armazenamento dos seus dados. Além disso, tais dados não poderão ser utilizados para outro fim, tampouco repassados para terceiros, por isso, é de suma importante a conscientização e treinamento dos recrutadores para que passem a adotar os cuidados devidos para manuseio dos dados pessoais dos candidatos.
Fase contratual
No ato da contratação naturalmente as empresas precisam coletar diversos dados necessários para cumprimento de obrigações legais ou regulatórias, tais como envio de dados para Ministério da Economia, INSS, E-social, dentre outros. Nestes casos, devido tratar-se de cumprimento de obrigações legais, não há necessidade de autorização expressa do titular, desde que tais dados sejam usados para a finalidade que se destina. Contudo, é importante que a empresa tome cuidado para não solicitar qualquer informação além do estritamente necessário para os cumprimentos legais.
Já para demais situações, tais como contratação de planos de saúde, cartão transporte, seguro de vida e acidentes pessoais, contador, terceirização de serviços, dentre outros, o empregado deverá autorizar expressamente a utilização e compartilhamento de seus dados com as demais instituições. E na hipótese do empregado ser menor de idade, obrigatoriamente os responsáveis legais deverão autorizar.
Outro aspecto importante de se observar é a coleta dos dados biométricos para registro do controle de jornada. Agora, com a LGPD, este dado também é protegido, sendo considerado um dado sensível, que requer um cuidado ainda maior. Assim, diante desta proteção, o empregado terá que ser comunicado sobre a finalidade da coleta e consentimento expresso e específico para utilização dos dados biométricos.
Vale ressaltar que o empregado, a qualquer momento, poderá requerer que a empresa informe os dados que possui e destinação destas informações, bem como que o empregador efetue o descarte dos mesmos quando a rescisão contratual, exceto para cumprimento de obrigações legais e regulatórias.
Fase pós-contratual
Com a rescisão do contrato de trabalho, os dados pessoais do trabalhador devem ser eliminados. Entretanto, a LGPD prevê a possibilidade de conservação dos dados pessoais para cumprimento de obrigações legais ou regulatórias, que enquadra as obrigações de cunho fiscalizatório e ações trabalhistas.
Entretanto, surgem dúvidas sobre quanto tempo as empresas podem guardar os documentos e dados pessoais do empregado após a extinção do contrato de trabalho, de modo a resguardar sua defesa em eventuais ações trabalhistas. Há quem defenda a possibilidade de guarda destas informações – com respaldo legal – durante o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, contados do fim da relação empregatícia, visto que o trabalhador só pode exigir direitos trabalhistas deste período.
Ocorre que em casos específicos, como questões que envolvam acidentes e doenças do trabalho, este prazo pode variar. Isto porque, o prazo prescricional só começa a contar a partir da ciência da doença, que pode ocorrer após o fim da relação empregatícia, gerando a necessidade de armazenamento das informações pessoais do empregado por prazo superior.
Esta é uma questão delicada, principalmente porque ainda não existe regulamentação quanto ao prazo que as empresas podem armazenar os dados dos ex-empregados, ainda mais considerando estes aspectos que envolvam reconhecimento de doenças ocupacionais. Embora não haja resposta objetiva ainda, o recomendável é que as empresas tratem os casos de maneira individualizadas, de modo a mapear possíveis riscos de demandas.
Autorização expressa do empregado
Quando se fala em autorização expressa do empregado, significa que há necessidade da existência de documentação que comprove a ciência do empregado sobre a coleta e destinação dos seus dados pessoais, bem como ser sucedida de sua concordância expressa.
Portanto, para todas as circunstâncias que precisem da autorização do empregado, é necessário que o documento descreva para qual finalidade se destina os dados solicitados, bem como conste a assinatura do empregado. Vale destacar que as autorizações não devem ser genéricas, para evitar qualquer nulidade do documento.
A LGPD veio para ficar e trouxe consigo previsões que vão provocar mudanças substanciais nas rotinas das empresas, principalmente na forma do tratamento dos dados de toda pessoa física que guarde relação com a organização. As adequações são necessárias, a fim de evitar a aplicação de sanções, que podem variar de advertências, até aplicação de multa de até 50 milhões de reais. Portanto, as conformidades com as previsões da LGPD devem ser priorizadas pelas empresas daqui por diante.