Empreendedoras desmistificam o romantismo em torno das mães donas do próprio negócio
Depois de anos viajando todos os dias de Campinas, no interior de São Paulo, para a capital, por conta da carreira como coordenadora de marketing digital em uma empresa de telecomunicações, Lidiane Batoni resolveu que era hora de ter mais tempo disponível para as filhas e, abriu uma empresa com o marido. “Amo minha profissão, mas o coração ficava apertado por todas as vezes que perdi a oportunidade de levar minhas filhas para a escola, para apresentações, pelas reuniões que não pude ir, entre outros tantos acontecimentos”, conta.
No mundo dos negócios, não é difícil encontrar mulheres que, com a chegada dos filhos, decidem abrir a própria empresa a fim de ressignificar sua relação com a família. Muitas delas, assim como Lidiane (que, em apenas nove meses, viu a empresa ter um excelente retorno financeiro), se tornam empreendedoras bem-sucedidas. No entanto, o caminho entre a decisão de empreender até alcançar o sucesso ou mesmo o retorno financeiro é cheio de desafios.
A começar pelo fato de que, para muitas mães, o empreendedorismo surge como necessidade e não escolha. “Existe uma fantasia quando falamos sobre empreendedorismo e maternidade. Empreendemos porque, quando nos tornamos mães, muitas de nós são demitidas. Empreendemos para ter mais tempo com nossos filhos, pois eles precisam de tempo, e não essa falácia de tempo de qualidade. Empreendemos numa tentativa de criar um mercado de trabalho mais receptivo com as nossas necessidades”, avalia a professora do curso de Marketing Digital da Digital House, Caroline dos Santos. Em plena pandemia, para dar conta de trabalhar e cuidar sozinha da filha de três anos, ela decidiu renunciar a uma colocação CLT para abrir sua própria consultoria de marketing digital. “Um emprego CLT me cobraria uma carga horária fixa, horários rígidos, que eu não podia atender”, conta.
Um relatório divulgado em janeiro pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostrou que 52,9% dos cerca de 14 milhões de brasileiros que terminaram 2020 sem uma ocupação remunerada são mulheres. Com dificuldade de se recolocar no mercado, fato agravado ainda mais pela pandemia do novo coronavírus, elas foram em busca de inspirações para iniciar no mundo do empreendedorismo. É o que mostra o Pinterest Predicts, relatório anual de tendências do Pinterest, o qual apontou que em 2020 houve um crescimento de 50 vezes na busca das mulheres por temas relacionados a “pequenas empresas”.
Em alta no mercado por conta da grande demanda por profissionais, as carreiras ligadas às habilidades digitais que, cada vez mais despertam o interesse de mulheres, se apresentam como alternativa de empreendedorismo para aquelas que precisam de maior flexibilidade na rotina de trabalho para dar conta das necessidades dos filhos e da família. “As carreiras digitais têm o bônus do home office, que, embora esteja em alta hoje por conta do isolamento social, já existia e deve se manter no pós-pandemia. Além disso, vender um serviço e não um produto ajuda a ter uma margem de ganho maior”, avalia Caroline.
Um levantamento da Digital House, escola de habilidades digitais com presença em todo o País, por meio de seus cursos online, mostra que em 2018 as mulheres representavam 18% dos alunos da escola. Em 2020, o interesse delas pelos cursos oferecidos nas áreas de Programação, UX, Marketing Digital, Dados e Negócios resultou em 26% das matrículas. Já em 2021, as mulheres representam 36% dos alunos da escola.
A Lidiane é uma dessas alunas. Depois do sucesso da sua empresa em uma plataforma de marketplace, ela encontrou no curso “Consultor de Vendas do Mercado Livre”, oferecido pela Digital House, mais uma forma de empreender, agora prestando consultoria sobre os seus conhecimentos como empresária. Feliz com a possibilidade de conciliar sua agenda com as necessidades das filhas, ela revela que em nenhum dia, desde que começou a empreender, trabalhou menos do que trabalhava quando era CLT. “Se ilude quem pensa que empreender é trabalhar na hora que se quer. Mas, sem dúvida, é possível administrar o seu tempo de forma adequada e poder também estar presente em momentos importantes. E tomar um sorvete com suas filhas às três da tarde de uma quarta feira porque percebeu que estavam tristes, não tem preço”, diz.
“A grande verdade é que não existe isso de passar mais tempo com os filhos só por decidir empreender. Ainda precisamos de rede de apoio, escola, cuidadores etc. Temos sim mais flexibilidade. Consigo trabalhar enquanto minha filha dorme. Consigo trabalhar no sábado e passear num dia da semana”, corrobora Caroline ao lembrar que as mulheres são responsáveis financeiramente pela maioria dos lares brasileiros e que o empreendedorismo também faz parte de suas trajetórias.
“Quando uma mulher empreende, ela não está focando apenas em renda extra. Empreender sempre fez parte da nossa vida. Uma mãe que trabalha com limpeza doméstica também é uma empreendedora. Empreender está no DNA não apenas dos homens, mas das mulheres também. A questão é que, aos olhos da sociedade, o empreendedorismo feminino ou materno é sempre relacionado a um hobby, quando na verdade é daí que saem as grandes ideias e o sustento de muitos lares”, sintetiza a consultora e professora de marketing digital.