*Victor Fornos Hadid, Sócio Sênior do FAS Advogados
A compra e venda de imóveis é um dos negócios jurídicos mais antigos da humanidade. Sabe-se que as pessoas nascem, crescem, se desenvolvem e morrem. Nesse meio tempo elas respiram, se alimentam e moram em algum lugar.
Com o passar do tempo, o conceito de moradia evoluiu para aquele vinculado à propriedade, passando a deter valor agregado tanto quanto dinheiro, ou, no linguajar jurídico, “pecúnia”.
Assim como aqueles mais tradicionais que optam por guardar dinheiro em seus colchões, uma outra forma de se resguardar, investir ou mesmo garantir eventual renda, é a aquisição de imóveis.
Pois bem, mas assim como para os bons, tal artifício acabou por se tornar uma saída para desvios de finalidades diversas, tais quais aquelas tipificadas a crimes de Lavagem de Dinheiro.
Isso porque em todo o negócio imobiliário, até o Provimento nº 88, do Corregedor Nacional de Justiça (CNJ), de 1º de outubro de 2019, era diminuta a conduta para busca da origem dos recursos que serviriam para aquisição de determinado imóvel. Ao vendedor e aos registrários bastava a ciência do pagamento do preço e a quitação.
O mencionado Provimento tem sua finalidade bem descrita ao primeiro artigo:
Art. 1º Este Provimento estabelece normas gerais sobre as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 da Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998, relativas à prevenção de atividades de lavagem de dinheiro – ou a ela relacionadas – e financiamento do terrorismo.
A legislação mencionada no provimento traz, aos particulares, algumas obrigações de registro e controle de operação, tais quais Bancos, Administradoras de Cartão de Crédito e Seguradoras, entre outras, principalmente ligadas ao mercado financeiro.
Assim, em poucas palavras, os entes públicos, sabendo da deficiente forma de fiscalização e controle de operações de negócios, trouxeram aos particulares obrigações acessórias “fantasiadas” do poder de polícia.
Não seria diferente para os negócios imobiliários. O Provimento nº 88, do CNJ, trouxe, aos Tabeliães de Notas e Oficiais de Registros de Imóveis, assim, como aos Tabeliães e Oficiais de Registro de Títulos e Documentos, a obrigação de fiscalizar toda e qualquer operação que pareça minimamente suspeita sob a ótica das atividades de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo.
De fato, tabeliães e oficiais são a extensão do Estado, e antes de tal provimento, já deveriam auxiliar em tal controle, como uma forma direta de exercer sua finalidade social.
O Provimento assim estabeleceu:
Art. 6° Os notários e registradores comunicarão à Unidade de Inteligência Financeira – UIF, por intermédio do Sistema de Controle de Atividades Financeiras – Siscoaf, quaisquer operações que, por seus elementos objetivos e subjetivos, possam ser consideradas suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento do terrorismo.
Com isso, os registrários, parte indispensável ao seguro negócio jurídico, devem tomar posturas minimamente complacentes aos controles de Crimes, assim colocados:
I – realização de diligência razoável para a qualificação dos clientes, beneficiários finais e demais envolvidos nas operações que realizarem;
II – obtenção de informações sobre o propósito e a natureza da relação de negócios;
III – identificação de operações ou propostas de operações suspeitas ou de comunicação obrigatória;
IV – mitigação dos riscos de que novos produtos, serviços e tecnologias possam ser utilizados para a lavagem de dinheiro e para o financiamento do terrorismo; e
V – verificação periódica da eficácia da política e dos procedimentos e controles internos adotados.
A eles ainda fica permitida a criação de “órgãos internos” que seriam os responsáveis por exercer tal poder.
Pois bem, operacionalizada tal conduta, passa a ser dever destas entidades a comunicação de suspeita de desvio de finalidade na aquisição de imóveis, como forma de prática de crimes. Essa comunicação é dirigida ao UIF – Unidade de Inteligência Financeira, sucessora do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Medida Provisória 893 de 19 de agosto de 2019).
Os negócios imobiliários, portanto, seguem a incessante busca de aperfeiçoamento para que sejam bem utilizados e sempre seguros a todos os envolvidos.
Victor Fornos Hadid é Sócio Sênior, da área Direito dos Negócios Imobiliários, do FAS Advogados