*Por Silvia Queiroz
Se tem uma coisa que a pandemia do Covid-19 me mostrou foi como as pessoas estão despreparadas para enfrentar circunstâncias difíceis. E se você acha que estou falando sobre aquelas pessoas que tiveram crises depressivas ou ansiosas em meio a toda essa loucura, você está enganado. Essas, talvez, sejam as pessoas mais “saudáveis” neste contexto. Não por estarem apresentando sintomas, mas porque estão sendo seres humanos, estão sentindo e sofrendo as suas dores e não as negando.
Os que me preocupam são aqueles que estão passando por isso tudo vivendo pautados por uma positividade tóxica. Eu não sei se vocês, assim como eu, percebem uma onda crescente de um discurso de positividade extrema e qualquer custo que tem se alastrado no mundo e, principalmente, nas mídias sociais. No contexto do Covid-19, por exemplo, parte deste discurso nega a gravidade das circunstâncias e faz críticas veladas contra àqueles que estão sofrendo com as consequências (sejam elas quais forem) da pandemia.
Esse é o exato problema da positividade tóxica. Ela não permite que as pessoas encarem seus sofrimentos. A máxima dela é negar tudo o que é negativo, como se o “poder do pensamento positivo” mudasse realidades.
Esse conceito errado sobre o tentar manter a positividade extrema na vida (que não é em si problemático, pelo contrário) tem sido bastante difundido pelo universo da “autoajuda barata” (e aqui abro parênteses para explicar que o problema não é a categoria autoajuda em si, mas a banalização e superficialidade de algumas obras) e por gurus de palco (pessoas tantas vezes despreparadas para lidar com as questões existenciais humanas e que vendem “pérolas de sabedoria” como fórmula mágica para todos os tipos de dores).
Sendo assim, o problema está longe de ser a tentativa de viver a vida numa perspectiva mais positiva. Não mesmo! Na verdade, procurar encontrar o lado bom em certas circunstâncias é salutar e pode, inclusive, salvar vidas. O problema é quando se vende a ideia de que encarar a realidade (que tantas vezes é dura e difícil) se torna quase proibido. Quando o extremo da negação das vicissitudes incide, aí algo está errado.
O que tem acontecido é que, ao fazer uso dessas pílulas “encantadas” e, por isso mesmo, ineficazes, passado um tempo as pessoas se deparam com a dureza da não resolução de seus conflitos mais profundos e reais, e assim entram em um sofrimento muito pior do que o que já sentiam antes. Não são raros os discursos dos que se sentem frustrados e até culpados por não serem capazes de “fazer a pílula funcionar” com eles. “O que estou fazendo de errado?” ou “O que há de errado comigo?”, alguns se perguntam.
A vida é feita de situações boas e ruins. Perder um ente querido, por exemplo, é algo horrível, que machuca e nos faz ter sentimentos que doem muito. E o mais interessante é que essa dor precisa ser vivida. É necessário passar por ela para se encontrar a cura e a superação. O processo de elaboração que ressignifica a vida e permite que a pessoa encontre seus novos caminhos e continue a viver de maneira plena, a despeito da falta que seu familiar sempre fará, é extremamente necessário. Olhar os ensinamentos trazidos por momentos assim promovem crescimento e favorecem a aquisição de “músculos” emocionais, ou certa robustez do ego, que se tornará mais resiliente, mais fortalecido. Esse é o lado positivo de um processo de luto bem vivido, por mais dolorido que seja.
O paradigma da positividade tóxica não permite essa construção. Na medida em que se nega a dor, a dureza ou aquilo que frustra, é aí que os buracos emocionais começam a se fazer presentes. E é assim que a pessoa vai se enfraquecendo e se tornando cada vez mais insegura de si. Quanto mais ignoramos a dor, mais temos dificuldade para lidar com nossa vida emocional. Dizer que tudo é perfeito, escolher apenas o que dá prazer e é bom, olhar somente o que diverte ou é belo, tudo isso é uma ilusão alienadora que desconecta as pessoas da realidade (porque nem tudo é perfeito e bonito) e delas mesmas (já que todos nós temos algo a melhorar, desafios a superar, habilidades a aprender, etc.).
A positividade tóxica é um veneno! E a sociedade está contribuindo de forma catastrófica para a criação dos “universos alternativos” que alimentam essa ideia. O universo formado por tudo que está a serviço de uma espécie de “culto” à fantasia de um mundo cor de rosa e extremamente positivo, como acontece em boa parte das redes sociais. “Apenas boas vibrações” é o que se diz. Quero estar perto “somente daqueles que me agradam”.
Mas, e se a pessoa que te desagradar for seu pai, sua mãe, seu filho ou filha? O que se deve fazer? Deixar de conviver? Afastar essa pessoa de sua vida? Será que esse é caminho? Ficar apenas com o que é mais fácil, mais bonito, perfeito? Mas, será que esse é o jeito mais saudável e maduro de lidar com as intempéries da vida? É assim que se vive com outro ser humano? (E mais uma vez, um parêntese importante. Não se trata de ser obrigado a viver com pessoas tóxicas, inapropriadas ou violentas. Casos assim devem ser evitados por questão de saúde e segurança. No entanto, estou falando da banalização das relações que tem levado pessoas a desistir facilmente umas das outras por não concordarem com algo ou quando as coisas ficam difíceis).
No mundo da positividade tóxica é proibido “pensar pequeno”, já que o universo é o limite (literalmente, segundo alguns). Também é proibido se sentir mal quando algo dá errado (e dá mesmo, porque a vida é assim) e é proibido errar e fracassar, porque isso “não acontece com quem pensa positivo”. Não!! Certamente foi um erro cabal de “planejamento”, é o que diriam alguns desses gurus do sucesso absoluto e da vida sem vicissitudes.
Ora, meus amigos, quanta mentira!! Pensar de forma esperançosa, aprender a lidar com as adversidades, encontrar sentido no sofrimento (como tão bem teorizou Victor Frankl no seu livro “Em busca de sentido”) não é sinônimo de negação da realidade. Uma coisa é tentar encontra algo de bom ou positivo (ainda que seja um aprendizado maior) em meio a adversidade. Outra coisa é negar que a dificuldade exista ou negar que a dor seja real.
Alimentar nossa mente com a esperança, a gratidão pelo que tem e por quem se é, e procurar viver a vida de forma plena e feliz é um caminho saudável a se seguir. Pesquisas no mundo todo têm mostrado o quanto precisamos atentar para a maneira como enxergamos o mundo e a realidade a nossa volta para se ter uma mente sadia. Você pode fazer escolhas melhores, pode desenvolver habilidades maravilhosas que te permitiram ser mais eficiente, pode planejar a realização de sonhos, pode ser feliz ao longo de sua jornada valorizando cada pequena conquista, cada flor no caminho e cada pedido de perdão aceito. Você só não deve acreditar em ninguém que te venda a ideia alienadora e mentirosa de que passar por momentos de dor e frustração te faz um ser humano menos humano ou menos bem-sucedido, como se apenas os extremamente positivos fossem os indivíduos plenos e felizes, quando na verdade bem pode ser o oposto.
Lembre-se: vender uma ideia é muito diferente de vivê-la de verdade.
*Silvia Queiroz é Psicóloga Clínica, Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas, Mestre em Teologia, Coach e Analista DISC pela SLAC, Escritora, Palestrante e Membro Toastmasters Internacional. www.silviaqueiroz.com.br
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