Nos anos 1930, o imóvel na Rua Cônego Eugênio Leite não era surpreendente, abrigava uma floricultura como outros vizinhos, dada a proximidade ao Cemitério São Paulo. Hoje, o sobrado invertido, com janelões e quintal cheio de plantas, é por si só um cenário insólito. Matizado com tons de verde, equipado com uma cozinha e bar transparentes e focado no poder de suas brasas e das matas brasileiras, tornou-se também palco perfeito para o Boto, o inovador restaurante autoral de Leo Botto.
A brincadeira com o sobrenome de nobre italiano do chef e o animal que, mais do que um rostinho fofo, ostenta a maior inteligência dos oceanos e rios, fica cravada no único “t” estampado no letreiro da casa. Ao mesmo tempo, permite ao cozinheiro expressar facetas que ainda não tinham vindo à tona em trabalhos anteriores.
Antes de desembarcar em Pinheiros, Leo já enfrentara muito fogão – o do Spot, do Julia Cocina, do Gero e do Gero Caffè, do Il Buco (NY), do Martín Fierro, do La Frontera, do Chez Lorena e do 1884 (em Mendoza), entre outros. Primeiro, apaixonou-se, depois aprofundou-se nas chamas. Descobriu que, mais do que calor, elas eram um ingrediente extremamente versátil, capaz de ser utilizado sob as mais variadas técnicas.
O infernilho, a pedra, o rolete, o moquém, o varal, a cruzeta, as cinzas, a rede de inox, o defumador, a grelha, o curanto. Cada um em um momento. Para dar crocância ou maciez, para caramelizar ou amargar, para colorir ou esmaecer um prato. “O fogo é uma forma de transformar os produtos sem extinguir sua identidade natural, por isso é tão fascinante. Optei por uma grelha basca e alterno até 20 processos diferentes para criar as receitas”, confidencia o chef.
Discípulo de Paola Carossella, admirador de chefs como Victor Arguinzoniz e Francis Malmann e de pesquisadores como Mara Salles, Leo reuniu no Boto experiências distintas traduzidas em menus degustação estimulantes e em pratos afetivos do cardápio à la carte. Para cada uma delas, importante ressaltar, o uso de técnicas ancestrais e modernas, de insumos frescos, orgânicos e de origem controlada. “À parte a altíssima qualidade do alimento, queremos ser democráticos. Além do prazer do sabor, queremos melhorar a relação do homem com a natureza através da comida. Daí fazer uma cozinha sazonal e responsável, que usa da raiz ao fruto, sem desperdiçar folhas ou caules, tirando o melhor do ingrediente do jeito mais puro”, defende o chef purista.
O conceito da natureza ao prato é de fato levado a sério – Leo visita frequentemente pequenos produtores e embrenha-se na mata para descobrir produtos nativos desconhecidos. Igualmente, o resgate é outra noção indissociável de seu trabalho, afinal, ele pesquisa métodos esquecidos de cocção (caso do moquém, por exemplo) e de preservação de alimentos (caso das compotas), assim como o próprio receituário. Pode-se dizer que, junto à floresta, o resgate é de fato, outro pilar do Boto, válido para saberes, sabores e memórias sentimentais.
Não à toa, o restaurante implementa um serviço de outrora, em que o garçom, à mesa, limpa um pescado, porciona um porco preto desmachando, desmancha um frango tostadinho em pleno salão e serve em recipientes diversos, como pedras raras, gamelas, cerâmicas exclusivas e madeiras de contornos orgânicos, que só reforçam o papel da natureza na concepção da casa e reverberam na paleta de cores do salão, na entrada de luz natural e nas plantas da decoração e do jardim. Uma dança coreografada pelo jazz da playlist, pela intensidade das brasas e pela originalidade festiva dos pratos do Léo.
Sobre o menu
No cardápio à la carte a ideia é compartilhar – um peixe inteiro, de mar ou de rio, no centro da mesa, ou um galeto orgânico cercado por cumbucas de guarnições. Dento delas, repolho fermentado e farofa acompanham sugestões como o nhoque rústico de crema-cota com miga de pão bem fermentado, vegetais, arrozes, favas e feijões.
Com o Boto, Botto debruçou-se sobre cada detalhe: o projeto da cozinha; o desenho das louças e sua comunhão com os pratos; o desenvolvimento de cada etapa do menu – do pão de boas-vindas ao uso de frutas nativas nas sobremesas, passando pela criação de bebidas que se harmonizassem e pelos incontáveis testes com vegetais. Com o Boto, Botto revela uma gastronomia amadurecida, permite-se expor as próprias raízes e compartilhar crenças e paixões.
Uma dança de cores, paladares e consistências marcada pelo vai-e-vem de talheres à mesa e que desemboca em sobremesas ao mesmo tempo equilibradas e provocantes, seja uma torta de batata-doce roxa com creme de nata, seja uma rabanada brûlée com purê de uvas e picles de uva.
Sobre o chef
Formado em Hotelaria no Centro Universitário Ibero-Americano e em Gastronomia pela Anhembi Morumbi, Leo Botto possui uma base antroposófica que define uma ligação visceral com a natureza, da qual provém uma culinária que respeita a terra, o tempo e as estações para obter o máximo de sabor.
Chef, restaurateur e ativista, Leo já foi garçom, mordomo e gerente até passar ao fogão. Tornou-se chef como braço direito de Paola Carosella, no Julia Cocina, passou por restaurantes renomados, como Gero, Martín Fierro, La Frontera e Il Buco (Nova Iorque), foi chef e sócio do Grupo Chez (Chez Mis, Chez Lorena, Casa Nero e Chez Oscar). Hoje, à parte um cozinheiro de ponta, é um educador gastronômico que se dedica à evolução da consciência alimentar por meio da comida.
Boto: Rua Cônego Eugênio Leite, 1152 – Pinheiros – São Paulo/SP – Fone (11) 3032.1029
Terça à sábado, das 19 às 24h | Rolha: R$ 50
Aceita todos os cartões | 50 lugares sentados e 20 lugares na área do bar @boto.restaurante| acessibilidade | wifi |