*Por Dr. Bayard Galvão
Luto é o sofrimento da perda pela morte do que uma pessoa significava e alimentava para alguém. Além disso, por vezes, soma-se a um terceiro reino de dor: a culpa de ter feito ou não ter feito algo antes da morte da pessoa ou até no momento da mesma.
Algumas pessoas que cruzam as nossas vidas se tornam insubstituíveis pelos sabores do e no tempo em que tivemos juntos. Sorte daqueles que tiveram alguns desses seres brilhantes em suas vidas e que souberam degustá-los, dentro da lucidez que possuíam na época.
O luto é um sofrimento resultante de diferentes possíveis emoções, em maior ou menor nível e variedade: (1) alegria e felicidade das boas lembranças com quem se foi; (2) perda de futuros novos bons momentos; (3) abraços e lições que acabamos apenas percebendo os valores depois de perdermos; (4) a dor da culpa por não termos dito as doces palavras e abraços que um dia seguramos por medo de ser piegas ou (aparentemente) nos mostrarmos vulneráveis; (5) perda de um porto seguro diário para as atitudes a tomar na próxima hora ou ano; (6) a perda de sentido do que antes tinha muito significado porque o que realmente era importante era se unir e vibrar junto com a pessoa que não mais está; (7) olhar para planos e perceber que ele ou ela que se foi apenas estará lá como uma lembrança do que poderia ter sido, mas não será; (8) a culpa de achar que se tivesse feito uma ou outra coisa teria impedido a morte; (9) a culpa de ter sido rude no último contato antes da morte da pessoa; (10) o medo de trair a pessoa que morreu se voltar a ser feliz novamente, sem a presença dela; (11) a perda de quem abraçava num momento de pavor e pudesse honestamente dizer que estaria junto e que tudo ficaria bem; (12) a dor de chegar em casa e não ter alguém com quem conversar sobre o dia, sonhos, medos, planos, pesadelos e alegrias; (13) reconhecer a insubstituibilidade de quem faleceu; (14) entender que as sabedorias e aprendizagens que se teve com aquela pessoa, daquela maneira e com aquela abordagem, nunca mais acontecerão; (15) perceber-se mais solitário para enfrentar a vida; (16) ter medo de se aproximar de alguém novamente, se entregar como o fez, saborear o que saboreou e um dia poder perder mais uma vez, voltando ao sofrimento que um dia teve; (17) entender que aproveitou pouco o que a pessoa tinha realmente a oferecer, sendo agora tarde demais, por mais que possa apelar às memórias ou escritos ou fotos ou livros que a pessoa leu ou escreveu; (18) ter que resolver por si os problemas que a outra pessoa resolvia; (19) acreditar que ficará só pelo resto da vida; (20) encontro da própria mortalidade; (21) lembrar da pessoa definhando e se despedindo da vida todos dias (por semanas ou meses); (22) ter que cuidar dos filhos sozinho(a); (23) a perda de quem dava sentido para a vida; (24) a perda da pessoa cujos brilhantes olhos iluminavam o mais escuro dos dias e/ou (25) a perda de um grande amigo ou amiga.
Agora, una algumas dessas emoções, ou até todas, e bata num liquidificador por cinco minutos e tome de uma vez, buscando acompanhar os efeitos nas vísceras de quem perdeu para a morte um filho amado, uma bela esposa, uma grande amiga, uma boa mãe ou um excelente avô. Eis o sabor do luto.
Elaborar um luto é pegar cada uma das dores presentes, com zelo, observá-las, aceitá-las e aprender a lidar com cada uma delas. Alguns dos sofrimentos um dia serão curados e outros não, apenas se tornarão mais suportáveis com a distância do tempo e maturidade. Entretanto, uma ou mais dessas dores não cuidadas podem facilitar um câncer para a vida, físico e/ou emocional.
Alguns paradigmas para lidar com o luto e que podem ajudar: (a) viva bem o hoje, com responsabilidade e dedicação, pois o amanhã pode nunca chegar para você e/ou o outro; (b) aprenda a fazer por você o que o outro faz, mas se permita ser cuidado e acarinhado; (c) a dor da perda é um fato, mas muito mais importante do que ele é a vida que se teve com a pessoa. Foque-se nisso; (d) infelizmente, sabedoria é algo que exige vida e boas reflexões. Apenas conseguiremos saborear algumas pessoas mediante ela; e (e) julgue-se de acordo com o que você sabia na época em que fez ou deixou de fazer algo.
Nunca é tarde para melhorarmos a nossa vida. Às vezes, melhorar é apenas aprendermos a olhar mais sabiamente para o viver, não necessariamente mudando algo fora de nós.
Lutar contra o fim é perda de vida. Apenas podemos tentar protelá-lo, mas ele sempre chegará. Importante mesmo é viver bem até lá, consigo e com o outro.
*Bayard Galvão é Psicólogo Clínico formado pela PUC-SP, Hipnoterapeuta, autor de cinco livros e Presidente do Instituto Milton H. Erickson de São Paulo www.hipnoterapia.com.br