Estudo realizado por grupo de cientistas mostrou que dois compostos do produto natural foram capazes de conter a multiplicação de células com câncer de mama, cérebro, ovário e próstata
Produto historicamente conhecido por sua ação anti-inflamatória, a própolis poderá ganhar uma nova função no futuro, de acordo com um estudo preliminar que envolveu pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. Após descobrirem oito substâncias inéditas da própolis vermelha, extraída de colmeias em Alagoas, os cientistas observaram que duas delas foram capazes de inibir o crescimento de células de câncer de mama, próstata, cérebro (glioma) e ovário, levando 50% delas à morte em testes iniciais realizados no laboratório. A pesquisa foi publicada na revista científica internacional Journal of Natural Products.
No trabalho, os cientistas compararam o desempenho das duas substâncias promissoras com a doxorrubicina, quimioterápico utilizado no tratamento do câncer. “Nos primeiros testes realizados in vitro, os compostos da própolis vermelha se mostraram tão eficazes quanto o medicamento. No entanto, muitos anos de estudo ainda devem ser realizados para comprovar a ação destas substâncias que, se forem realmente eficientes, talvez possam se tornar mais uma alternativa para tratar a doença”, afirma Roberto Berlinck, professor do IQSC e um dos autores do trabalho, que foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
A própolis é formada após as abelhas coletarem resinas presentes nas árvores e plantas e depositarem o material na colmeia, onde ele é misturado com cera, óleos e outras secreções até atingir a sua composição final, que serve de proteção para as polinizadoras contra a ação de fungos e bactérias. Mais rara que a própolis verde, amarela e marrom, a própolis vermelha tem o Brasil como um de seus maiores produtores mundiais. Encontrado exclusivamente no estado de Alagoas, o composto é produzido por abelhas da espécie Apis mellifera, que se alimentam de uma resina avermelhada presente nos caules da árvore Dalbergia ecastaphyllum, popularmente conhecida como Rabo-de-bugio.
Com estruturas até então desconhecidas pela ciência, as novas substâncias isoladas da própolis vermelha fazem parte da classe dos polifenóis, compostos naturais abundantes na natureza, principalmente em plantas, e conhecidos por sua atividade antioxidante, antibactericida e antifúngica. Os polifenóis podem ser encontrados na soja, cereais, vegetais e suco de uva, tendo, inclusive, seu consumo indicado em dietas ricas em vegetais. Outra função dessas substâncias é a de proteção das plantas contra a radiação ultravioleta, atuando como uma espécie de “protetor” solar dos vegetais. Diversos polifenóis também conferem diferentes cores a flores e folhas de árvores durante o outono.
Berlinck foi um dos autores do estudo que identificou oito novas substâncias da própolis vermelha. Foto: Henrique Fontes – IQSC/USPPasso a passo da ciência – De forma geral, os polifenóis não são considerados candidatos promissores para o desenvolvimento de medicamentos, pois eles se ligam a todos os tipos de proteínas, enquanto uma droga precisa ter como alvo uma proteína específica. Com a nova descoberta, no entanto, a ideia é investigar mais a fundo as propriedades das duas substâncias que foram eficientes contra as células cancerígenas. Um dos próximos passos do estudo é entender como elas são formadas, descobrindo se os compostos surgem diretamente na resina das árvores ou se são concebidos pela própria ação das polinizadoras. Posteriormente, os pesquisadores pretendem obter quantidades maiores das substâncias para realizar novos testes, inclusive em camundongos, a fim de avaliar sua atividade antitumoral nos animais. “É muito difícil descobrir um novo medicamento, pois diversos testes devem ser realizados. O tempo para se produzir um novo fármaco varia de 15 a 20 anos, e apenas uma substância a cada 10 mil chega a ser comercializada. Mas é uma pesquisa muito importante, pois queremos descobrir novas formas de tratar o câncer”, explica Berlinck.
O estudo contou com a participação de uma grande equipe de pesquisadores. Além do docente do IQSC, participaram do trabalho alunos de mestrado e doutorado do Instituto; cientistas da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), da USP, em Piracicaba; do Fox Chase Cancer Center, dos Estados Unidos; do Instituto de Química e do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da UNICAMP; da Universidade Federal da Grande Dourados (MS); da Universidade São Francisco, em Bragança Paulista (SP); e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)Fotos:Thais Banzato