É possível sim vencer no esporte sem o uso de doping

Para os atletas, a desconfiança de que um adversário possa estar fazendo o uso de alguma substância dopante é preocupante. Foto: Freepik

*Por João Antonio de Albuquerque e Souza

A discussão sobre doping no esporte carrega uma dualidade. Ao mesmo tempo em que casos de atletas flagrados em competições de alto nível ocupam manchetes e alimentam a percepção pública de que o problema é generalizado, as estatísticas apontam em direção contrária. Dados oficiais da Agência Mundial Antidopagem (WADA) mostram que, de mais de 241 mil amostras coletadas, apenas 0,82% resultaram em testes positivos, ou seja, mais de 99% dos exames realizados não identificaram a presença de substâncias proibidas. Essa proporção sugere que o uso do doping, embora existente, está longe de ser uma prática popularizada entre atletas de elite.

A ideia de que o esporte estaria amplamente contaminado pelo doping é reforçada por casos emblemáticos que ganham enorme repercussão midiática. Contudo, a ênfase em tais episódios, somada ao caráter muitas vezes exemplar das punições aplicadas, cria uma percepção distorcida sobre a realidade. O número reduzido de resultados positivos indica que a grande maioria dos atletas compete de forma limpa, investindo em treinamento, disciplina e preparo físico legítimo. O problema, portanto, não é majoritário, ainda que seja grave e demande mecanismos rigorosos de prevenção e controle.

Essa proporção sugere que o uso do doping, embora existente, está longe de ser uma prática popularizada entre atletas de elite. Foto: Pixabay

Outro ponto a ser considerado é que nem todo resultado positivo é fruto de uma intenção deliberada de fraudar, pois parte significativa das ocorrências decorre de contaminações acidentais ou da ingestão de substâncias proibidas por descuido. É comum, por exemplo, que medicamentos de uso comum para tratar dores ou inflamações contenham princípios ativos banidos. Há ainda casos em que o uso de drogas recreativas aparece nos exames, configurando infração antidopagem, mas sem qualquer relação direta com a melhoria de desempenho esportivo. Essas situações reforçam a necessidade de uma abordagem cuidadosa na análise dos casos, distinguindo a fraude intencional de situações de negligência ou desconhecimento.

O sistema de fiscalização não se baseia em sorteio puro e simples. A seleção de atletas para os testes segue critérios estratégicos e de inteligência, conduzidos por autoridades nacionais e internacionais. Além de monitorar o histórico competitivo e fisiológico, as agências antidopagem recebem denúncias de condutas suspeitas, o que torna os controles ainda mais direcionados. Isso significa que, se a grande maioria dos testes é negativa, mesmo sob um sistema de investigação seletivo, é plausível concluir que o doping não é prática comum.

A seleção de atletas para os testes segue critérios estratégicos e de inteligência, conduzidos por autoridades nacionais e internacionais. Foto: Martin Péchy

Ainda assim, é inegável que a dopagem científica está em constante evolução e, muitas vezes, consegue se manter um passo à frente das tecnologias de detecção. Métodos sofisticados, substâncias de curta janela de detecção e o uso de ciclos controlados de doping dificultam a identificação em determinados momentos. Isso abre espaço para a possibilidade de que atletas antiéticos consigam escapar de punições, principalmente se contam com acompanhamento médico especializado e estratégias avançadas de manipulação. Essa realidade alimenta o debate sobre até que ponto os índices oficiais refletem integralmente a dimensão do problema.

Além disso, diversos atletas, amparados por receitas médicas ou atestados, recebem autorizações de uso terapêutico (AUTs) para utilizar substâncias que, em outras circunstâncias, seriam proibidas, sendo exceções médicas. Embora o procedimento seja legal e regulado, levanta questionamentos sobre possíveis brechas que podem favorecer alguns competidores em detrimento de outros. A linha que separa o uso terapêutico legítimo da vantagem competitiva indevida é tênue e segue sendo alvo de polêmicas.

Assim, embora os números reforcem que o doping não é uma prática majoritária, não se pode ignorar que o problema persiste em escala relevante e carrega implicações éticas, médicas e competitivas. O esforço para combater o uso de substâncias proibidas deve, portanto, equilibrar dois pilares: por um lado, preservar a integridade do esporte e punir com rigor o uso intencional de substâncias e métodos proibidos; e por outro, adotar critérios justos e proporcionais que evitem injustiças com atletas que eventualmente incorram em infrações não intencionais.

Responder à pergunta se é possível vencer sem doping exige, portanto, uma análise equilibrada. Foto: Freepik

Responder à pergunta se é possível vencer sem doping exige, portanto, uma análise equilibrada. Os dados demonstram que sim, a maioria dos atletas conquista resultados de maneira limpa, sustentada pelo talento, disciplina e dedicação. Mas a existência de uma minoria que recorre a práticas ilícitas e, em alguns casos, consegue escapar dos sistemas de detecção, mantém o tema atual e controverso. Mais do que nunca, a credibilidade do esporte depende de controles transparentes, da constante evolução tecnológica dos testes e de uma cultura que valorize a vitória conquistada dentro das regras.

Para os atletas, a desconfiança de que um adversário possa estar fazendo o uso de alguma substância dopante é preocupante. Se o atleta desconfia que seu oponente está trapaceando, talvez ele estar mais suscetível de fazer o uso de uma substância para “se igualar”, o que seria muito triste e reprovável. Por isso, é necessário difundir que a grande maioria dos testes retorna com resultado negativo para reforçar a credibilidade na integridade esportiva. Todos devem crer no sistema, denunciar infratores e promover o jogo limpo.

João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito pela UFRGS.